A cena cultural LGBTQIAPN+ do Recife tem um endereço que atravessa gerações: o Clube Metrópole. Fundada em 2003, a casa noturna é hoje a boate LGBTQIAPN+ mais longeva do Nordeste e uma das cinco mais antigas do Brasil. Mais do que um espaço de festa, a Metrópole se tornou território cultural e ponto turístico da cidade. Quem conduz a programação artística e garante que esse legado se renove a cada temporada é Victor Hugo Bione, jovem diretor artístico que, com paixão e senso de responsabilidade, mantém viva a chama da diversidade no coração da capital pernambucana.

Em entrevista exclusiva, Victor reflete sobre a longevidade do clube, os desafios da cena cultural, sua trajetória pessoal e a missão de continuar o trabalho iniciado por sua mãe, Maria do Céu, pioneira e referência na produção cultural LGBTQIAPN+ no Brasil.
A força da diversidade
Ao olhar para os 23 anos de história da Metrópole, Victor destaca que a longevidade da casa não se explica por um único fator, mas por uma rede de pessoas que constroem diariamente o espaço: artistas, equipe de produção, seguranças, bartenders, público e toda uma comunidade que se reconhece ali.
“A Metrópole tem o amor e o afeto das pessoas. Todas as gerações LGBTQIAPN+, desde 2003 até hoje, têm uma história para contar dentro dela”, diz.
Para ele, a palavra que resume a identidade do clube é diversidade.
“Somos diversos nas pistas, no público, no som, em tudo. Isso é inspirador e a cara não só de uma metrópole, mas do mundo.”
Da produção independente à direção artística

Antes de assumir a direção artística da Metrópole, Victor Hugo Bione trilhou um caminho próprio, marcado por experiências diversas e por uma paixão que sempre orbitou a produção cultural. Ainda jovem, começou a organizar eventos de forma quase despretensiosa uma iniciativa que, com o tempo, se transformou em sua profissão.
“Há cinco anos vivo disso, e sou apaixonado. Produzir eventos é meu ofício”, afirma.
Mas sua trajetória não se limitou ao universo da noite. Victor também trabalhou em áreas distintas, como segurança patrimonial, e hoje divide a rotina entre a direção do clube e a faculdade de Direito.
“Eu nunca tive uma definição rígida de futuro, gosto de experimentar, de me jogar. Tudo foi acontecendo naturalmente, no fluxo.”
Esse espírito inquieto e multifacetado se reflete na forma como conduz a Metrópole: equilibrando tradição e inovação, memória e reinvenção, legado e ousadia.
Território cultural e resistência

Mais do que uma balada, a Metrópole é espaço de formação artística e resistência. O palco do clube já lançou talentos, acolheu gerações e mantém vivas tradições da cena queer.
“Recentemente, recebemos Sharlene Esse e Odilex em um número que recria performances de Gal Costa e Maria Bethânia, feito desde os anos 80 na boate Misty. Ao mesmo tempo, temos projetos como o Drag Phenomena, que apresenta a nova geração de queens em brunchs e watch parties”, afirma.
Essa conexão entre passado e futuro também está presente na Pista New York (NY), que passou por uma grande reforma em 2025, trazendo nova iluminação, sonorização e acessibilidade.
“A NY é um coração pulsante da Metrópole. Grandes nomes do eletrônico internacional já passaram por lá, além de shows de Pabllo Vittar e Ludmilla. Essa reforma foi pensada para o público, que merece uma experiência cada vez melhor.”
Desafios e sonhos

Conduzir um clube com tanto peso histórico exige equilibrar tradição e reinvenção, especialmente diante do choque de gerações e das mudanças aceleradas no consumo cultural após a pandemia.
“É o maior desafio, porque às vezes não é possível agradar a todos. Mas seguimos buscando esse equilíbrio, porque atravessar gerações é isso.”
Além da Metrópole, Victor também se dedica ao projeto Love Noronha, criado por sua mãe em 2012. A iniciativa transforma o arquipélago em um arco-íris de diversidade, unindo música, turismo, gastronomia e natureza.
“O Love é mágico, é uma forma de mostrar que diversidade e orgulho também fazem parte do paraíso.”
Quando perguntado sobre seus sonhos, Victor não hesita em ousar:
“Uma das minhas maiores vontades é trazer RuPaul para dentro da Metrópole. Quem sabe, né?”.
Herança e futuro

Filho da produtora e empresária Maria do Céu, Victor cresceu cercado por trabalho e dedicação. Assumir um papel de liderança na Metrópole é, para ele, um ato de continuidade e de responsabilidade.
“Ela é, na minha opinião, a maior produtora e empresária desse país, e não é porque é minha mãe não. É uma realidade. O maior aprendizado que carrego dela é não desistir, independentemente da situação.”
Entre produções de eventos, estudos em Direito e uma rotina intensa, Victor constrói seu próprio caminho, com a mesma paixão que o moveu desde o início.
“Eu nunca tive muito uma definição do meu futuro. As coisas foram acontecendo e sigo esse fluxo. O que amo mesmo é produzir eventos, é o meu ofício.”
O conselho de um jovem diretor

Aos que sonham em trilhar carreira no mercado cultural e criativo, especialmente dentro da comunidade LGBTQIAPN+, Victor resume seu conselho em duas palavras:
“Não desista!”.
E é justamente essa perseverança que mantém a Metrópole viva como símbolo de resistência, diversidade e celebração. Um espaço que, sob a direção de Victor Hugo Bione, segue iluminando as noites do Recife e inspirando novas gerações.
Confira a entrevista na íntegra:
1.A Metrópole chega aos 23 anos como a boate LGBTQIAPN+ mais longeva do Nordeste. Na sua visão, o que explica essa longevidade e relevância?
Acho que é uma cadeia de construção que vem sendo feita ao longo dos anos. A quantidade de gente incrível e talentosa que constrói nosso dia a dia é nossas noites é imensurável. Artistas, gerentes, barmans, equipe de limpeza, equipe de estoque, equipe de caixa, equipe administrativa e de produção, seguranças e com toda certeza, o público. A Metrópole tem o amor e afeto das pessoas, todas as gerações lgbt+ desde 2003 até hoje tem uma história pra contar na Metrópole e isso se extende até os dias atuais.
2. O nome “Metrópole” remete à pulsação da vida urbana. De que forma esse conceito ainda inspira a programação e a identidade do clube hoje?
Em uma Metrópole você encontra de tudo um pouco e acho que a palavra que define isso é Diversidade. Para mim, se você perguntar o que define a Metrópole em uma palavra eu falaria essa: Diversidade. Somos diversos nas pistas, no público, no som, em tudo. Isso é inspirador e a cara não só de uma Metrópole mas, do mundo.
3.Qual o papel que a Metrópole desempenha na cultura queer recifense e como você enxerga sua influência no cenário nacional?
Somos de fato um território cultural lgbt+. Nosso palco é o start de muitas pessoas e atravessa gerações. Fizemos recentemente um show de Sharlene Esse é Odilex, elas performam Gal Costa e e maria bethânia nesse número que é feito há nada mais nada menos que mais 40 anos, desde o começo dos anos 80 na Misty, umas das primeiras boates lgbt+ de Recife. Ao mesmo tempo, temos um projeto incrível com o Drag Phenomena, nova geração de drag queens que fizeram brunchs e watch party’s na metrópole. Isso tudo é poderoso e por si só se explica.
4.A pista New York passou por uma grande reforma, com novo som, iluminação e acessibilidade. Quais foram os principais objetivos dessa transformação?
A NY é um coração pulsante da Metrópole. Nela grandes nomes do eletrônico internacional pisaram e tivemos shows como Pabllo Vittar e Ludmilla. Ali também funcionou a Misty, boate nos anos 80 que significa muito para cultura lgbt+ do país assim como a Metrópole. 2025 foi um ano de novidades e começamos pela NY que veio com uma cabine interativa inspirada em uma cabine que vimos em Berlim e uma estrutura de som 100% nova. O público merece e tudo isso é pra eles.
5.Como vocês equilibram a preservação da história da casa com a necessidade de se reinventar para as novas gerações?
É o maior desafio pois atravessar gerações e isso! Trabalhar com os dois públicos exige agradar ambos e às vezes não é possível agradar ambos. Esse choque de gerações é muito grande pois a pandemia mudou tudo, o mundo é outro, o mercado musical é outro e o que essa nova geração consome é muito deferente das anteriores. Mas, dentro do possível, acho que a galera gosta bastante de tudo isso esse é o maior feedback.
6. Há mais novidades ou projetos de expansão que o público pode esperar após essa celebração de 23 anos?
Com certeza, temos muitos projetos, principalmente estruturais. Porém obra requer tempo e não conseguimos deixar as coisas fechadas por muito tempo. A Pista NY mesmo ficou 2 meses fechada para as obras. Então esses processos exigem muito planejamento.
7. O projeto Love Noronha chamou atenção por unir música, diversidade e o cenário paradisíaco do arquipélago. Como nasceu essa ideia e qual foi o impacto dela na cena cultural LGBTQIAPN+?
O Love é um projeto muito lindo construindo por minha mãe. Começou lá em 2012 e se extende até hoje. Noronha é um paraíso e com o Love tudo fica mais mágico. A gente deixa a ilha um verdadeiro arco íris de diversidade. Acho que o mais incrível do love é unir essas noites de muita música boa com turismo, gastronomia, natureza e muito orgulho. Isso é um diferencial muito grande dentro do cenário.
8. Quais os próximos passos do Love Noronha? Podemos esperar novas edições ou desdobramentos em outros lugares?
Com certeza, a gente encerra uma edição já estruturando a outra e, cada ano, tudo melhor e mais lindo.
9. Como você avalia o momento atual da cena cultural LGBTQIAPN+ no Recife? Quais os avanços e os desafios mais urgentes?
Recife sempre foi e sempre será um grande cenário cultural a nível internacional. A gente tem muita gente boa aqui e isso é real. Acho que a situação econômica do país em geral prejudicou muito nosso setor de entretenimento em vários aspectos. Muitas casas fecharam, festas diminuíram suas frequências ou acabaram e isso acaba deixando muito limitada as oportunidades para artistas, sabe? Acho que é necessário com urgência um olhar mais sensível do estado pra esse setor, facilitar a execução dos eventos, reduzir esses impostos absurdos que pagamos e impossibilitam demais que qualquer empreendedor empreenda.
10. A Metrópole sempre foi um espaço de resistência e afirmação. Em um cenário em que o conservadorismo ainda cresce em algumas frentes, como o clube se posiciona e se mantém firme?
Essas pessoas sempre vão existir e não podemos dar espaço. Acho que a partir do momento que uma boate lgbt+ abre toda semana, drags fazem show, djs lgbt+ tocam e pessoas lgbt+ saem de casa pra trabalhar na noite, nós já mostramos pra eles que esse mundo é nosso também. Resistir é isso, ir de encontro com o que eles querem é com os “lugares” que querem nos colocar. A gente é e está onde queremos.
11. De que maneira vocês buscam dialogar com pautas contemporâneas da comunidade LGBTQIAPN+, como inclusão, acessibilidade e interseccionalidade?
Estamos sempre nos capacitando e capacitando nossa equipe. Informação é uma riqueza inestimável, educar é o grande segredo para mudarmos tudo. Então estamos sempre nos educando e educando nossos colaboradores. Hoje temos o PajuBar que é um bar 100% acessível e sonhamos muito em ampliar isso cada dia mais.
12. Para além da balada, a Metrópole se tornou uma marca cultural de Recife. Que legado você acredita que esse espaço já deixou e ainda pretende deixar para as próximas gerações?
Hoje somos um ponto turístico e isso é muito poderoso. As pessoas vem a Recife e querem conhecer a Metrópole e quando entram ficam fascinadas com nossa estrutura. Com certeza o maior legado é saber que um TERRITÓRIO LGBT+ é um dos maiores do país, estamos entre os 5 clubs mais antigos do Brasil, procurado e respeitado. Isso marca muito um espaço da comunidade e é resistência pura.
13. Você também é um jovem empreendedor que ajuda a conduzir uma das casas mais importantes da cena LGBTQIAPN+ do país. Que conselho daria para quem deseja trilhar um caminho no mercado cultural e criativo, especialmente dentro da comunidade?
Duas palavras. Não desista! Esse é o grande “segredo”
14.Sua mãe, Maria do Céu, construiu um legado de resistência e pioneirismo com a Metrópole. Como é para você dar continuidade a essa história tão forte?
Uma grande responsabilidade. Eu falo que, na minha opinião, ela é a maior produtora e empresária nesse país e não é porque é minha mãe não, é uma realidade. Então pra mim é muita responsabilidade continuar essa história.
15. Qual foi o maior aprendizado que você trouxe dela para sua atuação como diretor artístico?
Nossa, são muitos, mas acho que o que eu mais aprendi é a não desistir mesmo independente da situação. A vida são ciclos e temos que estar preparados para eles e nos dedicar absolutamente sempre com muita responsabilidade. Aprendi demais isso com ela
16. Antes de assumir esse papel, qual foi sua trajetória pessoal e profissional? Como ela se conecta ao seu trabalho atual na Metrópole?
Eu nunca tive muito uma definição do que seria meu futuro, as coisas foram realmente acontecendo e seguindo o fluxo e eu gosto disso. Faço coisas muito distintas: Produzo eventos e faço faculdade de direito. Então imagine, gosto de muita coisa e tudo foi acontecendo do nada. Comecei a produzir eventos quase que em uma brincadeira e há 5 anos é meu sustento, vivo disso e sou apaixonado. Já trabalhei também em uma empresa de segurança patrimonial kkk e sou desses, onde me botar eu faço e me dedico mas o que amo mesmo e considero meu ofício é fazer eventos.
17. Como você equilibra sua identidade enquanto artista/empreendedor e, ao mesmo tempo, herdeiro de uma marca cultural tão importante?
Sou muito responsável e profissional. Não misturo as coisas mesmo e acho que isso me traz uma dedicação muito grande. Tenho uma rotina puxada e de muito trabalho que se une com o estudo e a vida pessoal e amo isso. Cresci em uma casa e família de trabalhadores , gente que trabalhava de domingo a domingo então é como sou, faz parte de mim.
18. Que sonhos e projetos pessoais você ainda pretende realizar dentro ou fora da Metrópole?
Nossa, tenho tantos sonhos. Uma das minhas maiores vontades é trazer RuPaul para dentro da metrópole independente de como seja essa aparição e quem sabe né ? Mas passaria aqui uma noite inteira dizendo todos os meus sonhos e projetos.