O novo EP Exu Ajuô, de Alessandra Leão (PE) em parceria com Mestre Sapopemba (AL), é uma oferenda em forma de som. Dedicado a Exu, aos caminhos e às encruzilhadas, o trabalho nasce do encontro entre duas vozes de gerações e territórios distintos, gravado em São Paulo, cidade migrante e plural. Lançado pelas gravadoras ACESA Discos e YBMusic, o projeto convida à escuta ritualística e à celebração da tradição como movimento.

Com seis faixas que transitam entre coco, toques de terreiro e matrizes afro-brasileiras e indígenas, o EP propõe uma experiência de tempo não linear, onde passado e futuro se dissolvem em tambor, voz e experimentação. Sob direção artística de Alessandra, a produção foi assinada em parceria com Marcelo Cabral, Guilherme Kastrup e Jaraguá Dub, e conta com participações de Zé Manoel, Thaís Nicodemo e Tamiris Silveira.
Idealizado por Alessandra e pela produtora Paula Rocha (Arueira Produções), o projeto se estabelece como um rito de passagem que costura tradição e invenção. De um lado, a voz e a oralidade de Mestre Sapopemba, cantor, compositor e ogã com mais de meio século de trajetória; do outro, a força criativa de Alessandra Leão, artista que há décadas reinventa as tradições nordestinas em diálogo com o contemporâneo.
“Esse repertório fala sobre fundamento, o que nos sustenta como artistas, como ogã e curimbeira, como gente, como nordestinos, como brasileiros. Me parece um momento importante do país e do mundo para a gente renovar um pouco da esperança”, afirma Alessandra Leão.
Para Mestre Sapopemba, o EP é um gesto de reverência e continuidade: “Cantar para Exu faz parte do que nos é ensinado desde o início da nossa caminhada com os Orixás. Exu é o mensageiro que liga o Orum ao Ayê, o guardião que mantém o contato com Olodumaré. Ao lado de Alessandra, unimos nossas vozes em reverência a essas entidades, mantendo vivas as tradições ancestrais que herdamos como ligação com o sagrado.”
Compositora, cantora, percussionista e produtora musical, Alessandra Leão iniciou sua carreira na efervescência do Manguebeat e construiu uma discografia marcada pela pesquisa e pela reinvenção. Indicada ao Grammy Latino, ao Prêmio da Música Brasileira e ao WME, ela acumula nove álbuns, entre eles Macumbas e Catimbós (2019) e Acesa (2022).
Já Mestre Sapopemba, natural de Penedo (AL), é referência na preservação da memória afro-brasileira, conhecido por sua voz imponente e pela atuação em terreiros de Candomblé. Sua trajetória, dedicada há mais de cinquenta anos à música popular, ecoa em cada canto e batida do novo trabalho.
Faixa a Faixa por Alessandra Leão
Exu Ajuô
A faixa que dá nome ao EP abre o repertório em tom de invocação. Reunindo pontos tradicionais do Candomblé e da Umbanda, é dedicada a Exu, o que abre caminhos e orienta a travessia. O título significa “Exu vem à frente” ou “que Exu seja o primeiro”, evocando a força do movimento e da passagem. Produzida por Alessandra e Marcelo Cabral, a música traz sintetizadores, guitarras e tambores que se entrelaçam às vozes de Alessandra e Sapopemba.
Na Mata Virgem / Sobô Nirê Mafá
Dedicada a Malunguinho, entidade da Jurema Sagrada, a faixa mescla pontos aprendidos por Sapopemba ainda na infância, em Penedo (AL), e cantos tradicionais amplamente conhecidos. Os pianos de Thaís Nicodemo e Tamiris Silveira somam-se às programações de Marcelo Cabral, criando uma ambiência mística e telúrica.
A Onça
Rojão tradicional do povo Kariri-Xocó, de Alagoas, “A Onça” é uma ode às forças indígenas do Nordeste e à potência coletiva da ancestralidade. Com participações de Thaís Nicodemo, Tamiris Silveira e Marcelo Cabral, a faixa reafirma o espírito de comunhão que permeia todo o disco.
Navio Brasileiro
Composição tradicional resgatada por Alessandra há quase vinte anos, aprendida com Mestre Eduardo da Barca, da Paraíba. Produzida por Guilherme Kastrup, a faixa é uma embarcação simbólica onde tambores e vozes narram memórias de resistência, evocando um Brasil profundo, atravessado por dor e fé.
Deusa da Lua / Dono da Lua
Unindo duas peças de reisado, a canção entrelaça a autoria de Mestra Virgínia de Moraes à tradição viva da mãe de Sapopemba. Produzida por Alessandra Leão e Jaraguá Dub, é um encontro entre gerações e territórios, onde o canto se torna herança e resistência.
Adeus Dalina
Encerrando o EP, o coco-gabinete “Adeus Dalina” resgata uma gravação da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, reimaginada por Alessandra e Kastrup. A delicada participação do piano de Zé Manoel dá à canção um tom de despedida e renascimento. É um adeus que também é saudação, um canto que se despe de dor para abrir espaço à continuidade.







